CONSULTA
...................................................... pede-nos orientação quanto ao procedimento a ser adotado, tendo em vista que a Volkswagem não mais está aceitando a trasferência do crédito do ICMS, resultante do regime de substituição tributária e da competente ordem judicial, ainda não transitada em julgado, sob o fundamento de que a Lei Complementar nº 104/00 impede a compensação de impostos antes do trânsito em julgado da decisão judicial.
PARECER
A Lei Complementar nº 104/00 veio dispor em seu artigo 170-A o seguinte:
"É vedada a compensação mediante o aproveitamento de tributo objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial".
Por sua vez, o caso ventilado pela consulente tem o seu fundamento no § 7º do art. 150 da Constituição Federal que assim prescreve:
"§ 7º A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido" (grifos nossos).
Como se vê, são duas realidades absolutamente distintas. Inconfundível a restituição do imposto pago antecipadamente, com base em fato gerador presumido, no que se refere ao seu elemento quantitativo (base de cálculo) com a compensação (extinção do crédito tributário) mediante aproveitamento de outro tributo, cuja legalidade ou constitucionalidade esteja sendo discutida na esfera judicial.
Lamentável a verdadeira avalanche de confusões que vêm sendo lançadas no campo do direito tributário pela doutrina e jurisprudência, lastreadas em fundamentos aparentemente revestidos de juridicidade.
É conhecida, por exemplo, aquela decisão da Corte Suprema, onde restou proclamado que não gera direito à restituição do ICMS, no regime de substituição tributária, na hipótese em que ocorrer a saída subsequente por um preço menor do que aquele adotado para o pagamento antecipado do ICMS pelo estabelecimento substituinte. Alegou-se que, se a mercadoria saiu do estabelecimento substituído, ainda que por um preço menor, o fato gerador teria ocorrido, pelo que, ao teor do § 7º do art. 150 da Constituição Federal, retro-transcrito, não faria jus à restituição da diferença.
Ora, o Inclíto Ministro Relator, além de ignorar e desprezar o elemento quantitativo do fato gerador (base de cálculo e alíquota) circunscrevendo a teoria do fato gerador apenas ao seu elemento nuclear (descrição legislativa hipotética) distância-se da própria noção de direito privado que conceitua a compra e venda. De fato, são elementos estruturais da compra e venda o consentimento das partes, o objeto e o preço. Esse último requisito foi ignorado pela douta decisão em questão. Se o preço for diferente, independentemente da identidade ou não das partes no contrato de compra e venda, imperioso é concluir tratar-se de novo contrato de compra e venda. Da mesma forma, se a venda da mercadoria pelo estabelecimento substituído foi concretizada por um preço menor do que aquele adotado pelo estabelecimento substituinte, para efeito de recolhimento antecipado do ICMS, segue-se que o fato gerador ocorreu em extensão menor do que aquele presumido. Em outras palavras, inocorreu o fato gerador com relação à diferença entre o preço adotado por presunção, pelo estabelecimento substituinte, e o preço efetivamente alcançado pelo estabelecimento substituido.
Havendo duas bases de cálculo diferentes, uma presumida e outra efetiva, obviamente não há como deixar de reconhecer a prevalência desta última para efeito de fixação da obrigação tributária e ulterior constituição do respectivo crédito.
Não tendo ocorrido o fato gerador na extensão presumida, impõe-se a restituição preferencial imediata ao teor do preceito constitucional já citado.
Mas, no caso sob consulta, não há lugar para esse tipo de confusão, porque a própria legislação do Estado de São Paulo prevê expressamente, ainda que desnecessariamente, o direito à restituição do imposto pago antecipadamente na hipótese em que a operação final com a mercadoria ficar configurada obrigação tributária de valor inferior à presumida (art. 66-B da Lei nº 6.374/89).
Contudo, o objeto da consulta é outro. Refere-se à recusa no recebimento de crédito pela fornecedora da consulente, escudada no art. 170-A do CTN.
Ora, o crédito fiscal objeto de transferência para a Volkswagen nada tem a ver com o instituto da compensação tributária, que obviamente só poderia ocorrer entre o contribuinte (sujeito passivo da obrigação tributária) e a Fazenda Pública (sujeito ativo da obrigação tributária). Não sendo a Volkswagen Fazenda Pública, descabe a cogitação de compensação tributária referida no art. 170-A do CTN ou no art. 66 da Lei nº 8.383/91.
E mais, inexiste no caso sob consulta, crédito tributário objeto de contestação judicial. O mandado de segurança impetrado não visa e nem poderia visar a determinação do valor do crédito tributário. Limitou-se a pleitear o crédito tributário previamente reconhecido pelo fisco, de forma imediata e preferencial como manda o texto constitucional, sem se sujeitar às intermináveis restituições parceladas. O que se encontra sub judíce não é absolutamente a definição do montante do crédito tributário, mas o critério para a sua restituição. No caso, sendo a consulente devedora da Volkswagem, requereu-se que essa restituição fosse feita em forma de ressarcimento, representado pela transferência do crédito fiscal diretamente à sua fornecedora, como faculta a legislação tributária do Estado de São Paulo. Esse fato jamais poderá ser confundido com a compensação de tributo objeto de litígio.
Assim, nenhuma razão jurídica existe para a Volkswagem deixar de receber o crédito tributário transferido pela consulente, a título de compensação, não de tributo, mas por conta do preço de venda de automóveis (instituto de direito civil). Evidentemente, como toda relação jurídica depende da livre manifestação de vontade das partes, independentemente da legalidade de que se reveste a contratação, no caso, a compensação do preço de fornecimento de veículos com a transferência do crédito tributário de que necessita a fornecedora.
Concluindo, a aceitação ou não da transferência de crédito depende exclusivamente do livre ajuste das partes, inexistindo qualquer óbice de natureza jurídica, legal ou judicial a impedir tal contratação. Outrossim, descabe ao Judiciário imiscuir-se na relação jurídica que diz respeito apenas as partes interessadas.
É o nosso parecer s.m.j.
SP, 15.03.01
Precisa estar logado para fazer comentários.